8M - Memória e luta

Muito se fala sobre o que o feminismo é ou deveria ser. E ainda não podemos dizer que chamar alguém de feminista deixou de ser uma acusação ou um xingamento. As carteirinhas de feministas vivem sendo concedidas, checadas e canceladas. A palavra sororidade nunca esteve tão esvaziada.  Diante de tanta disputa, você já teve a curiosidade de buscar alguma definição do que é feminismo? 

Segundo Bell Hooks, o “Feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão”. “O feminismo não é o contrário do machismo (que defende a superioridade masculina), também não é um ódio ou rejeição aos homens (o que é chamado de misandria). Feminismo é a busca por igualdade, por respeito, por equidade entre os gêneros”.

bell hooks

É uma visão de mundo que se expressa como teorias e movimentos sociais - prática política - emancipatórios, em busca de equidade. Assim, é por definição plural, não existe um feminismo, logo, o dissenso o constitui. Em outras palavras, as discordâncias entre as suas diversas correntes existem desde a sua origem, são formativas, dizem respeito a disputas e também à constância do diálogo, da mudança, do movimento. Os feminismos estão vivos e se movem junto com as transformações da sociedade.  

Um dos principais debates proposto pelas feministas apontou as diferenças entre o sexo e o gênero, entre aquilo que é da ordem do natural e o que é cultural, atacando o essencialismo, que explica as desigualdades por meio da biologia. A questão é: não importa quantas diferenças fisiológicas existam entre as pessoas, as desigualdades são sempre construídas socialmente para justificar e reproduzir projetos de poder. 

Proponho um exercício de imaginação. Já pensou a importância e o valor social da menstruação, caso fossem os homens que menstruassem? Caso isso nunca tenha passado pela sua cabeça, não se preocupe, Gloria Steinem fez esta pergunta em 1978 e nos deu uma resposta em seu hoje famoso artigo: 

“O que aconteceria se, de repente, magicamente, os homens pudessem menstruar, e as mulheres não? A resposta é clara -– a menstruação se tornaria um evento masculino invejável e digno de bajulação: Os homens iriam se gabar sobre quantidade e duração. Os meninos marcariam o início da menarca, aquela esperada prova da masculinidade, com rituais religiosos e festas. O Congresso fundaria um Instituto Nacional para ajudar a evitar desconfortos mensais. Absorventes sanitários seriam subsidiados pelo Estado e distribuídos gratuitamente". (...) 

Pois bem, fato é que as mulheres estão organizadas na luta por emancipação, transformando as visões de mundo, a organização das sociedades e da produção/reprodução, por meio da ação de movimentos feministas antirracistas, anticapitalistas, antilgbtfóbicos, populares, decoloniais, livres de transfobia. E todos os nossos direitos, ainda que frágeis, foram arduamente conquistados pelas que nos antecederam. E o dia da mulher, mesmo que tenham te dito o contrário, existe e resiste como marco e em razão desta luta. 

No II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, ocorrido em 1910, a socialista alemã Clara Zetkin sugeriu a criação de um dia para marcar a luta das mulheres por direitos trabalhistas. Além disso, na Rússia, uma série de greves operárias de mulheres teve início nos anos 1910 e 1911 e culminaram na grande greve de 1917, no setor de tecelagem, também num 8 março.

greve na rússia

A data tem sua origem nessas manifestações e foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, que foi declarado como o Ano Internacional das Mulheres. É importante disputar o 8M, fortalecendo sua história, para impedir que seu conteúdo político seja esvaziado e ocupado por sonhos de valsa e rosas vermelhas e mensagens digitais que abusam de palavras como “beleza”, “guerreira” e “gratidão”. 

O 8M, portanto, é um dia de luta e de memória: um marco para não esquecer o percurso, as conquistas, as que vieram antes, as que pereceram pelo caminho, Sobretudo, é um dia para reivindicar nossos direitos e denunciar aquilo que falta para que vivamos em uma sociedade mais igualitária, que não nos odeie, não nos viole, não nos mate.

Em tempo, segundo dados do Laboratório de Estudos de Feminicídios 2023, em média 5 mulheres (cis) foram vítimas de feminicídio, por dia, no Brasil, no ano passado. 

margaret atwood

 

Texto por: Clarissa Galvão (@clarissag). Socióloga, professora, pesquisadora e criadora do Clube de Leitura Feminista Traça (@clubetraca). 


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